quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Enxergando através da cegueira a latrina que o Mundo é

Super feliz a idéia do diretor brasileiro Fernando Meirelles e do roteirista canadense Don Mckellar, com o filme Ensaio sobre a Cegueira. O longa é uma adaptação ao romance do escritor português José Saramago. Mas, aqui não vou comparar livro e filme, até porque os dois têm seus prestígios. O livro rico em detalhes, e o filme imagens. E é exatamente isso que propõe o diretor, "sua visão do mundo nunca mais será a mesma".

Aqui vou tentar expressar minha visão diante de um filme que conta sobre uma cegueira contagiosa, que ficou conhecida como cegueira branca, se alastrando por uma cidade onde, até então, todos viviam uma vida "normal". Família, trabalho, casa, e, claro, o caos do cotidiano nos dias atuais na vida de cada ser humano, enquanto sua existência. A história já se inicia mostrando que o simples fato de você parar num semáforo e enxergar as cores verde, amarelo e vermelho pode se tornar uma das coisas mais desejáveis na vida de uma pessoa. De repente tudo muda. Já imagino que nascer cego é uma coisa, mas ficar cego depois é outra bem pior. Percebi isso quando um dos personagens já era cego. Ele parecia não sofrer quanto os outros, que se contagiaram com a doença. E, não considero o filme uma ofensa aos cegos, como criticou o presidente Marc Maurer da Associação de Cegos dos EUA, conforme publicado em um site, que considera "ofensivo e assustador, podendo minar os esforços de integrar os cegos à vida em comunidade". Não penso que seria essa a intenção do autor, mas de mostrar o mundo em que vivemos e muitas vezes tapamos os olhos para uma realidade cruel, inclusive diante de posturas das autoridades quando uma determinada situação se torna calamidade. E ainda, o fato de não valorizarmos certas coisas, como a vida que levamos e a saúde que temos.

Num determinado momento, homens, mulheres e até criança com diferentes classes sociais, raças, etnias, se encontram numa situação idêntica, desesperadora, que é perder um sentido tão importante quanto qualquer outro, a visão. E agora? Como será a vida diante de tantas impossibilidades? Como será viver em quarentena, que são os locais onde pessoas com doenças contagiosas ficam para se isolar de demais contatos físicos?
E o filme se passa ali. Num lugar abandonado pelo descaso de autoridades, sujo, cheio de lixo, em que cada um tenta manter seus princípios e conceitos. Mas, não uma imundície apenas pelo lixo, e sim, pela arrogância, falta de escrúpulos, egoísmo, vaidade, soberba, e muitos outros conceitos que os indivíduos criam e adquirem, muitas vezes até para se defender ou ao serem atraídos por diversas situações que o mundo impõe.

São cenas fortes, em que apenas uma mulher que não fica cega, mas talvez preferisse ter ficado também, há de optar pela frieza para poder suportar um lugar daquele. Separados por alas, nem mesmo a cegueira muda alguns comportamentos, mas para outros o efeito é certo. Você se submeter a sexo em troca de comida com uma pessoa que além de não conhecer, não está vendo. Ter que ignorar que alguma pessoa morreu, lutar pela sua própria sobrevivência, e, se for preciso, matar alguém. Todos esses comportamentos se tornam mais dolorosos por serem apenas sentidos pelo coração.

Ao conseguirem se libertar daquele lugar que alguém, desesperado, ateia fogo, eles só podem ouvir o silêncio da cidade e imaginar a ruína de uma sociedade. Não há carros funcionando, não há pessoas trabalhando, somente pessoas em busca da sobrevivência e, mesmo assim, com egoísmo e desamor. Outra cena marcante, que demonstra o quanto ainda somos primitivos, é a disputa por alimento. Até o cachorro, que é considerado o melhor amigo do homem, é traído pela sua penúria ao devorar um corpo humano. E assim se desfaz a idéia de civilização, pois a humanidade se perde por conta de coisas que a visão pode trazer, se esquecendo de sentimentos como amor, compaixão, lealdade, cumplicidade, respeito.

Talvez a luz branca seja isso, dizer que ainda há uma esperança. E a única mulher que enxerga conseguir despertar o desejo de que é possível se viver em harmonia. De que é possível dividir o pão, de sentir prazer nas coisas simples do dia a dia. E não apenas sentir a chuva caindo sobre a pele, mas enxergar a beleza das gotas caindo do céu lavando nossos olhos de impurezas, e humidificando as almas para não nos cegar de vez.








Um comentário:

Anônimo disse...

ADOREI o texto Dal!

Se não tivesse assistido ao filme, com toda certeza estaria olhando o jornal pra saber quais as seções!

Só que em mim o filme provocou um profundo mal estar! Ainda bem que teve um "happy and!", ou então teria saído do cinema super mal!

Mas não há somente a degradação dos homens... não podemos esquecer dos bons sentimentos despertados, mesmo no meio de toda aquela imundície!

Ou como poderíamos explicar tamanhã dedicação da única pessoa que é capaz de enxergar???

Grande beijo, Dal!!